segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Crítica - O Assassino: O Primeiro Alvo

Resenha O Assassino: O Primeiro Alvo


Análise O Assassino: O Primeiro Alvo
Não conheço os livros de Vince Flynn sobre o agente Mitch Rapp, mas confesso que este O Assassino: O Primeiro Alvo, que adapta o personagem para os cinemas, não me deixou com muita vontade de buscar ou conhecer mais sobre as aventuras literárias de Rapp. Apresentado aqui como uma espécie de James Bond, Jason Bourne ou Jack Bauer de quinta categoria, a trama que o filme tece ao redor do personagem soa como uma mera colcha de retalhos de clichês e nem mesmo isso é bem executado.

Mitch (Dylan O'Brien) acaba de pedir sua namorada em casamento em uma praia da Espanha quando um grupo de terroristas aparece e começa a atirar nas pessoas. A namorada de Mitch morre, mas ele sobrevive. Um ano e meio depois descobrimos que ele esteve treinando e se preparando para se infiltrar em uma célula terrorista para se vingar pela morte da noiva. Logicamente, a CIA o estava vigiando e ele é abordado pela agente Kennedy (Sanaa Lathan) para se juntar à agência. Ele aceita e vai treinar sob o comando do implacável Stan Hurley (Michael Keaton), mas seu treinamento é interrompido quando uma grande quantidade de plutônio cai nas mãos de terroristas iranianos e Stan e Mitch são chamados para impedir a ameaça.

A primeira coisa que salta aos olhos e incomoda é a transformação brusca de Mitch. Em apenas um ano e meio ele, um civil que nunca esteve em combate e nunca recebeu qualquer tipo de treinamento militar, consegue se tornar por conta própria um mestre espião fluente em árabe, que sabe o Alcorão de cor e salteado e com habilidades de combate que rivalizam com agentes com décadas de experiência. Personagens como o Batman e o Arqueiro Verde levaram quase uma década para desenvolver as habilidades necessárias para se tornar exímios combatentes, mas Mitch consegue fazer isso em um curtíssimo intervalo de tempo. Além disso ele consegue se infiltrar em uma célula terrorista que até mesmo a CIA não conseguia, o que é bem implausível. Imagino que um civil destreinado tentasse entrar em um grupo terrorista para matá-los o resultado provavelmente estaria mais próximo de Eu, Deus e Bin Laden (2016), que é baseado em uma história real, do que o deste filme.

Mesmo deixando de lado o implausível fato de que Mitch conseguiu se tornar um superespião em pouquíssimo tempo, ainda há pouco com o que simpatizar com o personagem. Se inicialmente nos conectamos com ele por causa do trauma da perda da noiva, toda essa boa vontade se esvai quando ele é recrutado pela CIA e alguém lê em sua ficha que ele tem um longo histórico de violência e insubordinação. Assim, ao invés de ser um sujeito devastado e levado a extremos por uma dolorosa perda, ele soa como um sociopata descontrolado que apenas precisava de uma desculpa para sair por aí matando pessoas, se não fosse a morte da noiva provavelmente seria outra coisa.

Seu racismo casual também é outro obstáculo para que ele consiga alguma simpatia. Em dado momento ele suspeita que uma colega possa ser uma agente dupla e seu argumento para basear essa acusação é "você é iraniana!". Porque, claro, toda pessoa iraniana é automaticamente um terrorista radical em potencial que odeia os Estados Unidos, faz todo sentido e não é nem um pouco preconceituoso. O fato de ninguém questionar isso (e da trama mostrar que ele está certo) é ainda mais grave, demonstrado que o filme, os roteiristas e o diretor endossam essa generalização racista. Se o texto não nos dá motivos para nos importarmos com Mitch, a composição de Dylan O'Brien faz pouco para remediar isso, já que apesar de fazer cara séria o tempo todo lhe falta energia e intensidade para convencer da determinação insana do personagem.

A trama em si também é cheia de situações pouco plausíveis, com resoluções furadas ou que contradizem o que o próprio filme estabeleceu sobre seus personagens. Isso seria até perdoável se o filme se assumisse como algo tolo, exagerado e absurdo como a franquia Velozes e Furiosos, por exemplo, no entanto a fita se pretende a algo sério, tentando abordar questões de política mundial e estratégias de combate ao terrorismo. Assim, fica a impressão de uma obra inconsistente, que é tola demais para ser devidamente levada à sério e sisuda demais para ser vista como uma diversão tola.

Durante boa parte do filme Mitch ignora as ordens de Hurley e age por conta própria, levando seu mentor a pedir o desligamento dele da operação, o que é sempre negado pela agente Kennedy, que parece não ver problema na insubordinação de Mitch. Durante o clímax do filme, no entanto, a agente Kennedy resolve se importar com o fato de Mitch se recusar a seguir ordens e o manda embora justamente no momento em que ele era mais necessário, já que havia uma bomba nuclear prestes a detonar. Em outro momento Mitch localiza a base terrorista ao rastrear um deles pelo celular. Ao chegar nos arredores do local uma aliada lhe diz que aquela é uma "área cega" sem sinal de celular. Se o lugar era um ponto cego de sinal e o vilão estava ali desde que Mitch começou a rastreá-lo, como é que o protagonista conseguiu um sinal para começo de conversa?

O vilão, vivido por Taylor Kitsch, é tratado como um letal ex-discípulo de Hurley e um mercenário experiente. Na primeira vez que o vemos, no entanto, ele está negociando plutônio radioativo dentro de uma van estacionada no meio de uma feira. O mercenário realmente achou que a van no meio da feira não chamaria atenção da polícia? Porque não estacionar em um beco qualquer? Não seria melhor tentar subornar o policial e dizer que ia mover o veículo ao invés de começar um tiroteio no meio da rua, chamando atenção para si e sendo inevitavelmente filmado pelas câmeras na rua? Ele queria ser pego? Assim como o protagonista interpretado por O'Brien, falta ao vilão de Kitsch a imponência necessária para que o vejamos como uma ameaça crível. E as escolhas equivocadas de Kitsch são pioradas pelos diálogos ruins que ele é obrigado a dizer. Em uma cena ele diz que não se sabe porque as pessoas próximas à detonação de uma ogiva nuclear são vaporizadas. Como assim não se sabe? É claro que as razões são conhecidas, inclusive não é preciso ser um físico nuclear para saber que isso acontece pelo calor extremo da detonação. O sujeito deveria ser um operativo engenhoso, mas nem sabe como funciona a bomba que quer detonar.

O melhor exemplo de como ator e roteiro depõem contra o personagem é a cena em que o vilão tortura Hurley, seu antigo instrutor. O momento deveria mostrar como o vilão é implacável e bruto, mas o resultado é diametralmente oposto, com ele parecendo um idiota histérico e incompetente enquanto que Hurley, mesmo preso, se mantêm no controle da situação. O Stan Hurley de Michael Keaton, por sinal, é a melhor coisa do filme. Keaton vem entregando performances sólidas desde sua "renascença" em Birdman (2014) e aqui não é diferente. Seu instrutor da CIA é um homem intenso, de palavras duras e gestos econômicos, evocando sua experiência e implacabilidade.

As cenas de ação são repletas de violência, mas a despeito de todo o sangue mostrado na tela elas não impactam como deveriam. Cheias de cortes que muitas vezes não conseguem estabelecer com clareza a posição dos personagens mesmo em espaços pequenos, tudo é fragmentado demais para transmitir qualquer sensação de perigo ou urgência. Além disso são quase sempre muito breves, com as ameaças eliminadas rapidamente e sem muito esforço na maioria dos casos. Até mesmo o vilão não consegue oferecer um confronto final interessante contra Mitch e é despachado facilmente pelo protagonista.
                                                  
Com um roteiro frouxo, personagens aborrecidos e cenas de ação sem impacto, a única coisa que se salva no desastre que é O Assassino: O Primeiro Alvo é o instrutor durão interpretado por Michael Keaton.


Nota: 3/10

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