quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Crítica - How to Get Away With Murder: 3ª Temporada

Análise How to Get Away With Murder: 3ª Temporada


Review How to Get Away With Murder: Season 3
Chegando na sua terceira temporada, a série How to Get Away With Murder continua a trabalhar com a mesma estrutura narrativa de mostrar um crime acontecendo e então retornar ao passado para mostrar como ele aconteceu, resolvendo tudo nos últimos episódios. Se antes tudo funcionava pelo afiado manejo da intriga, agora a série já não demonstra o mesmo vigor com algumas tramas que não decolam e resoluções que soam como trapaças. Aviso que o texto a seguir contem SPOILERS.

A narrativa começa no exato ponto em que a segunda temporada acabou, com Wes (Alfred Enoch) testemunhando o assassinato do homem que acredita ser seu pai biológico. Sem perder tempo, ficamos sabendo que Frank (Charlie Weber) foi o responsável, já que se Wes ou Annalise (Viola Davis) tentassem entregá-lo às autoridades, ele revelaria que a vítima era o pai de Wes, colocando as suspeitas sobre o estudante. Assim, Annalise tenta encontrar um meio de encontrar Frank e fazê-lo pagar por este assassinato, mas pelo que fez com ela no passado. A temporada tenta criar um clima de que todas as mentiras construídas pelos personagens até então podem ruir a qualquer momento com ameaças vindo por todos os lados, mas muitos desses arcos não rendem o que deveriam.

A escolha de tornar Frank o antagonista dos primeiros episódios acaba sendo decepcionante, já que o personagem não consegue ser um antagonista crível, nem consegue angariar simpatia quando finalmente é revelado seu passado. Variando entre extremos, Frank pode ir de sociopata frio a um chorão catatônico entre um episódio e outro, mudando de personalidade quando convém ao roteiro, querendo se livrar a qualquer custo da influência tóxica de Annalise em um instante para no seguinte se debulhar em lágrimas pedindo que a advogada o aceite de volta.  As escolhas de composição do ator Charlie Weber também não fazem favores ao personagem. Em especial por sua decisão de franzir os olhos e apertar os lábios (praticamente fazendo biquinho) toda vez que precisa mostrar intensidade resultando em algo que parece mais uma imitação de supermodelo e faz Frank parecer ridículo ao invés de sério, misterioso ou ameaçador.

A subtrama envolvendo a disputa entre Annalise e a reitoria da universidade por conta dos cartazes com sua foto e os dizeres "assassina" não só não fazem sentido como não levam a lugar algum. Até esse ponto da trama Annalise é uma profissional de conduta ilibada e os cartazes são mais um ato de assédio moral, intimidação, calúnia ou difamação do que uma denúncia séria que pode manchar a reputação da universidade. Não faz sentido, portanto, que a universidade decida rebaixá-la de seu cargo e suspendê-la, afinal ela é claramente vítima de ataques à sua reputação, mas o conselho diretor prefere inexplicavelmente tratá-la como culpada. Não é à toa que cinco episódios depois Annalise resolva ameaçar a reitora Soraya (Luna Velez) com um processo milionário e o fato que alguém tão inteligente e engenhosa como Annalise tenha demorado tanto para pensar nisso só mostra como tudo foi mal concebido.

Para piorar quando o culpado é descoberto isso não tem impacto nenhum no restante da temporada ou da trama. O sujeito era simplesmente um aluno descontente qualquer. Imaginei que o personagem fosse voltar posteriormente para funcionar como antagonista, mas não, ele é completamente esquecido. Ocasionalmente ele aparece em sala de aula para fazer algumas provocações a Wes e os demais personagens, mas tudo é tão tolo e infantil que ele mais soa como um valentão de escola de série do Disney Channel.

Por outro lado a série acerta ao explorar os relacionamentos entre os personagens e os usa para desenvolver e aprofundar suas personalidades ao invés de apenas criar conflitos amorosos. A relação entre Wes e Laurel (Karla Souza) agora é mais orgânica e tem razões mais críveis para acontecer, com Laurel lamentando o que Frank fez com Wes e se aproximando dele em virtude de seu arrependimento. Do mesmo modo, a aproximação entre Asher (Matt McGorry) e Michaela (Aja Naomi King) permite vermos tanto o amadurecimento de Asher, deixando de ser o mauricinho arrogante das temporadas anteriores, como também lança luz sobre o passado de Michaela e nos ajuda a compreender porque ela é daquele jeito. Asher, por sinal, é responsável por alguns dos momentos mais engraçados da temporada, como a expressão incrédula que ele faz ao descobrir que Frank fez a barba, agindo como se fosse algo impossível e impensável.

As idas e vindas na relação entre Connor (Jack Falahee) e Oliver (Conrad Ricamora) servem para ilustrar como Connor sente o peso de suas mentiras, mesmo que para proteger o namorado, e a distância ajuda a Oliver a compreender que provavelmente não encontrará ninguém que o compreenda como Connor, já que de certa maneira os dois são pessoas danificadas.

Quem continua sendo a melhor coisa da série, no entanto, é a Annalise de Viola Davis, que também começa a sentir o peso de todas as coisas ruins das duas últimas temporadas sobre seus ombros e começa a ruir. Poderosa e implacável, algo evidenciado pela cena em que esbofeteia um assassino de mulheres, Annalise também está mais vulnerável do que nunca. O modo como ela afasta as pessoas que mais se importam com seu bem estar, a exemplo de Nate (Billy Brown), revela o quanto ela se sente culpada e se considera indigna de afeto por conta da mácula de seus crimes. Assim como nas outras duas temporadas, Davis tem momentos emocionantes com a veterana atriz Cicely Tyson, que retorna em um episódio como a mãe de Annalise.

Essa temporada também equilibra com habilidade os "casos da semana" com a trama maior da temporada. Além da relação orgânica com o arco principal, esses casos da semana também levantam debate sobre temas importantes, como as políticas de imigração dos Estados Unidos, o funcionamento do sistema prisional e o modo como a sociedade lida com o feminicídio. O arco principal, por outro lado, deixa um pouco a desejar. Ao contrário das outras temporadas esta tenta esconder a identidade de quem é morto no crime mostrado em flashfoward, revelando a vítima só no nono episódio. A despeito do mistério é bem óbvio deduzir sua identidade, pois poucos personagens poderiam provocar a reação de horror e desespero mostrada por Annalise no primeiro episódio quando ela vê o cadáver.

O duelo entre Annalise e a promotoria consegue ser eficiente na construção do suspense, já que os dois promotores se mostram tão espertos e ardilosos quanto a própria Annalise e seus alunos, mas a revelação do culpado pelo crime acaba soando bastante desonesta. O assassino, ou melhor, o mandante do crime é um personagem que em momento algum tinha sido citado na investigação ou considerado suspeito por qualquer um dos outros personagens. É alguém que apareceu brevemente em apenas um episódio da temporada e mesmo as cenas em flashback mostradas durante a revelação fazem pouco para mostrar como a narrativa vinha plantando pistas de sua possível culpa desde o início. Dessa maneira a reviravolta parece uma puxada de tapete desonesta e manipulativa por parte do roteiro, que reforça a impressão de que a série está mais preocupada em pegar seu público no contrapé a qualquer preço do que tecer uma trama coesa.

Fica a sensação de que na próxima temporada o culpado pode ser um figurante que apareceu por três segundos no fundo de uma cena dada a predisposição (que já tinha acontecido na segunda temporada) da série em simplesmente apontar o dedo para um personagem inesperado apenas pelo fator de choque. Eu até penso que o personagem tinha motivos para cometer o crime, mas isso nunca é construído pela trama e certamente a temporada seguinte terá que fazer alguma retificação nos eventos passados aqui para que as coisas comecem a fazer sentido. Quando reescrever o passado e retificar a continuidade temporal se torna um expediente habitual para surpreender o público, se torna difícil aderir e se importar com a narrativa, já que a qualquer momento tudo pode ser desfeito com um flashback tirado da cartola.

Essa terceira temporada de How To Get Away With Murder se sustenta pelo excelente trabalho de Viola Davis e o desenvolvimento de seus personagens, mas muitas tramas mal concebidas e soluções desonestas com o público diminuem o impacto da experiência.


Nota: 6/10

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