quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Crítica - Manchester à Beira Mar

Análise Manchester à Beira Mar


Review Manchester à Beira Mar
Não existe uma maneira única de lidar com a perda de um ente querido. Muitas vezes sequer há a superação completa dessa perda e aquela ausência continua a ser sentida o resto da vida, como uma ferida que nunca fecha. Ainda assim, a vida continua, é preciso seguir em frente e é justamente sobre pessoas tentando reajustar suas vidas depois de uma perda que esse Manchester à Beira Mar trata.

O filme segue Lee (Casey Affleck), um homem que trabalha como zelador de prédio e vive em um pequeno quartinho. Sua vida é abalada quando ele retorna à sua cidade natal ao receber a notícia da morte de seu irmão Joe (Kyle Chandler) e que o testamento dele o aponta como guardião de seu filho adolescente, Patrick (Lucas Hedges). Agora ele precisa lidar com sua nova situação ao mesmo tempo em que o retorno à cidade desperta memórias de traumas antigos.

Casey Affleck faz de Lee um homem que tenta se ocupar com os afazeres diários para não ter que confrontar a dor da morte de irmão e outras dores passadas. Ele sempre parece taciturno e focado, mas quando qualquer coisa interrompe seu fluxo ou lhe contraria, ele imediatamente desmorona e reage de um modo desmedidamente agressivo, revelando toda dor e frustração que há dentro dele, quase como se quisesse descontar tudo aquilo em cima dos outros. Mesmo nas cenas em que parece sério e direto, Affleck deixa transparecer em seu olhar opaco, perdido e em sua linguagem corporal retraída e cabisbaixa o quanto Lee não está bem. A primeira metade do filme vai entrecortando os eventos do presente com flashbacks do passado que vão mostrando o que levou ao seu afastamento da cidade e quando a revelação vem, ela é tão potente e vívida que nos atinge com força e nos deixa sem ar mesmo quando já esperávamos por uma grande tragédia.

De maneira semelhante, seu sobrinho Patrick também se mantém focado em sua rotina e nos encontros com as duas namoradas, se mantendo ocupado e evitando ter que lidar com seus sentimentos, ele inclusive parece estar lidando com tudo melhor que tio, mas aos poucos vamos vendo as rachaduras na armadura que cria para si. O momento em que ele tem um ataque de pânico ao ver um pacote de carne congelada na geladeira, remetendo-o ao cadáver do pai guardado em um freezer funerário enquanto espera o enterro, faz vir à tona de uma só vez todos os sentimentos que ele tentava enterrar dentro de si. A atriz Michelle Williams tem praticamente uma cena como a ex-mulher de Lee, mas faz valer cada segundo do seu pouco tempo de tela. Em uma cena com Lee, ela desaba sobre o peso de anos de culpa e arrependimento, confessando o quanto lamenta pelo tanto que o culpou no passado e deixando escapar, quase que sem pensar direito, o quanto o ama. Uma torrente de sentimentos tão abrangentes e conflitantes que Lee simplesmente não consegue processar.

Mesmo com tanta dor, pesar e lamento, o diretor Kenneth Lonergan ainda é inteligente o bastante para encontrar momentos de humor na jornada dolorida de seus dois personagens, trazendo alguns diálogos sarcásticos entre Lee e Patrick (e a química entre Affleck e Hedges torna essas trocas extremamente natural e verdadeira) que servem como um respiro à pesada atmosfera do filme; Servir para enriquecer os personagens e adicionar-lhes nuance, evitando que os vejamos meramente como sujeitos que sofrem o tempo todo. O diretor, que também escreve o filme, também exibe um claro entendimento de que a dor e a superação não vem de um grande momento de epifania ou de um vigoroso monólogo (como tenta fazer o equivocado Beleza Oculta), mas dos pequenos detalhes, do modo como alguém olha uma fotografia ou reage a uma menção sobre o passado vamos vendo a transformação desses personagens de uma maneira bem natural, quase como se estivéssemos acompanhando o dia a dia de um conhecido e identificando as pequenas mudanças neles. Um naturalismo que é raro e difícil de alcançar.

Manchester à Beira Mar podia ser um filme extremamente clichê sobre dor e luto, mas pela sensibilidade do seu texto e direção, além do talento dos atores, se torna um relato extremamente poderoso e impactante sobre como lidamos com nossas perdas e erros, como não há receita pronta para resolver isso.


Nota: 10/10

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