quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Crítica - La La Land: Cantando Estações

Análise La La Land Cantando Estações


Review La La Land Cantando Estações
A música parece um tema caro ao diretor Damien Chazelle. Ele já tinha feito um musical com temas de jazz em seu primeiro longa, Guy and Madeline on a Park Bench (2009), originalmente feito para ser seu trabalho de conclusão de curso em Harvard. Seu segundo longa, o excelente Whiplash: Em Busca da Perfeição (2015), tratava da busca por um baterista em ser o melhor e a relação abusiva/doentia que tinha com um professor. Agora em La La Land: Cantando Estações ele entra no universo do musical clássico hollywoodiano e não apenas celebra seu legado, como tenta também passá-lo em revisão sob um olhar contemporâneo (e um conhecimento quase enciclopédico sobre essa filmografia).

A trama segue a aspirante a atriz Mia (Emma Stone) e o pianista de jazz Sebastian (Ryan Gosling) e as idas e vindas de sua relação ao longo de um ano na cidade de Los Angeles. É uma trama típica de musical romântico, um casal de personalidades distintas que tem algo de importante a ensinar um para o outro, números musicais guiando as ações e desenvolvimentos da trama, a busca pelo sonho de sucesso e reconhecimento em sua arte, tudo está ali presente. Ao mesmo tempo que remete a tempos mais simples, românticos e ingênuos, mas ao mesmo tempo, o filme vai dando pistas que não é tão ingênuo e idealizado quanto parece.

A relação entre os dois protagonistas é mais "pé no chão" do que boa parte desses filmes de outrora, com desentendimentos, discussões e discordâncias que pouco a pouco criam uma distância relativa entre a perspectiva antiga de relacionamentos no qual tudo dava certo e felizes para sempre era algo lógico, inevitável e facilmente resolvido em algumas canções, uma melancolia que lembra muito o frânces Os Guarda-Chuvas do Amor (1964). Isso também se reflete em alguns números musicais, à exemplo da primeira canção que Mia e Sebastian dividem juntos em um mirante sobre o crepúsculo de Los Angeles. O cenário e os passos da dança remetem demais para ser mera coincidência ao número do parque entre Fred Astaire e Cyd Charisse no clássico A Roda da Fortuna (1953). Se na performance de Astaire e Charisse o canto e dança serviam construir o enlace romântico entre os dois protagonistas que terminavam o número deixando o local juntos, aqui o a letra da música e o desenvolvimento da cena são feitos para que os dois digam que não tem afinidade e que nada irá acontecer entre eles, tanto que termina com cada um seguindo caminhos separados. Parece simplesmente uma leve brincadeira com as convenções e uma tentativa de fornecer um obstáculo aos dois, mas isso é quase uma antevisão de coisas por vir, principalmente se colocadas ao lado do número que encerra o filme.

O mesmo pode ser dito do número musical de Mia com suas amigas dentro de seu apartamento se preparando para ir a uma festa, ansiando por encontrar alguém que lhes abra as portas nos show business, algo similar ao que acontece em Cavadoras de Ouro (1933), embora também possa ser identificado em alguns outros musicais, quando as três protagonistas também se preparam para tentar a sorte em festas da "alta sociedade" na esperança de encontrar alguém que financie seu espetáculo (e uma delas até se apaixona por um galanteador pianista que mora ao lado). Se em Cavadoras de Ouro (1933) as personagens de fato encontram alguém que lhes ajude a alcançar a fama e a financiar seu espetáculo, aqui Mia e suas amigas não conquistam absolutamente nada, com Mia tendo seu carro rebocado e tendo que caminhar sozinha por Los Angeles.

O arco de Sebastian parece dialogar com o do protagonista do seminal O Cantor de Jazz (1927), alguém dividido entre uma música mais "tradicional" e outra mais "moderna". Se no filme de 1927 o protagonista ao fim conseguia ser bem sucedido em ambas as frentes, Sebastian fracassa em ambos. Ele inicialmente não consegue convencer ninguém de que sua abordagem purista e tradicionalista do jazz pode dar certo, como também não demonstra estar contente ao se juntar a uma banda mais descolada, com toques de música eletrônica e tudo mais. Em seu primeiro show com a nova banda, ao invés da impressão de que finalmente o protagonista vai ter sucesso e que tudo vai dar certo, que normalmente era produzida por esse tipo de número nos musicais de outrora, dá lugar ao claro desconforto de que Sebastian "perdeu sua essência" sendo literalmente ofuscado por fogos de artifício e pelos dançarinos da banda. Mesmo com todas essas aproximações e afastamentos do cânone, o filme ainda cria momentos que de fato visam ser românticos, encantadores e uma celebração de como as coisas eram antes, como todo o segmento de Mia e Sebastian no planetário ou mesmo na doçura do plano-detalhe das mãos de ambos se aproximando lentamente nos cinemas.

Falando nos números musicais, eles são vibrantes, enérgicos e trazem aquele otimismo dos musicais de outrora, ainda que aqui e ali exiba certas doses de melancolia, em especial nas canções de Sebastian. Os planos longos e com pouquíssimos cortes evidenciam o virtuosismo das performances de canto e dança, tal qual acontecia com os números de Gene Kelly e Fred Astaire, vemos que são mesmo os atores ali dançando, sapateando e ocasionalmente tocando. O número que abre o filme, feito em uma via expressa de Los Angeles é a melhor expressão do senso de espetáculo grandioso e virtuosismo que o filme tenta passar (e que remete às grandiosas coreografias orquestradas por Busby Berkley), com inúmeros figurantes cantando e dançando em meio a um engarrafamento.

Stone e Gosling são simplesmente adoráveis como Sebastian e Mia e qualquer um que já tenha visto o bonitinho Amor à Toda Prova (2011) ou mesmo o péssimo (não por culpa dos dois) Caça aos Gângsteres (2013) sabe que eles tem uma ótima química juntos. Stone é a típica mocinha sonhadora, que espera sua grande chance para brilhar em Hollywood, mas também exibe certa amargura sobre a quantidade de fracassos que acumula e os nãos que recebe. Já Gosling faz de Sebastian um músico verdadeiramente apaixonado por jazz, que quer preservar a música que tanto ama, mas ao mesmo tempo não sabe como fazê-lo e seu apego aos cânones da música parece apenas afastá-lo do sucesso. Através dos diálogos de Sebastian, Chazelle (que também escreveu o filme) parece ventilar suas próprias inquietações com o filme musical e o trabalho que estava realizando neste filme. A obra está em sua mente desde que fizera Guy and Madeline on a Park Bench, mas nunca conseguia ninguém para bancar o filme sob o argumento de que seu produto seria apenas uma cara peça de museu.

De certa forma, parece ter sido benéfico que ele tenha demorado tanto para conseguir finalmente fazer esse filme. Assim como Sebastian, parece ter entendido que a mera reprodução dos cânones não seria suficiente para chamar a atenção, encantar e trazer de volta algo que há muito tempo não se fazia, era preciso fazer o esforço de não apenas olhar para o passado, mas ver o ele poderia trazer desse passado para o presente e também para moldar o futuro. É exatamente isso que Sebastian faz ao finalmente abrir seu clube de jazz e descobrimos que ele abandonou parte das ideias iniciais que defendia com tanto afinco e dureza para adotar a perspectiva oferecida por Mia, misturando o tradicional com um olhar mais fresco e sem comprometer sua integridade artística.

Todas essas ideias são perfeitamente resumidas e encapsuladas no excelente número que termina o filme e remete aos longuíssimos e apoteóticos números finais de muitos musicais dos anos de 1930, 40 e 50, como Cantando na Chuva (1952), funcionando como uma espécie de "carta de intenção do filme". A cena praticamente nos diz "se fossemos fazer um filme musical como antigamente, era isso que seria feito e era isso que aconteceria, mas esse não é um filme de antigamente, nem pode ser".

Chazelle olha para os filmes do passado e reconhece o valor e a importância do virtuosismo das performances, do romantismo, de ter um sonho mesmo que aparentemente impossível e correr atrás dele, de ser sincero consigo e fazer o que ama com paixão. Reconhece, no entanto, que não é possível exibir a inocência de antes e crer que ao fim conseguiremos conciliar todos os conflitos e obter tudo que queríamos como acontece em praticamente todos os musicais hollywoodianos clássicos desde o O Cantor de Jazz (1927), quando o personagem é colocado ao fim para escolher entre uma realização profissional e uma pessoal e acaba arrumando um jeito de conciliar as duas coisas. Esse filme, porém, é inteligente o bastante para saber que nem sempre se consegue tudo, que escolhas precisam ser feitas, que prioridades precisam ser estabelecidas e certas coisas precisam ser deixadas pelo caminho para que consigamos outras. Sabe que não é possível ter a ingenuidade de outrora e que uma vez removido, o véu da inocência não pode ser devolvido, a situação não pode retornar ao que era e é preciso seguir adiante.

É isso que significa o aceno entre dois personagens ao final. Um instante delicado, breve, singelo e fugaz, mas carregado de um simbolismo poderoso. Naquele momento eles são um para o outro algo que pertence ao passado. Eles se olham, vemos transparecer um afeto por esse elemento do passado, há um aceno, demonstrando o reconhecimento (ou mesmo respeito) por esse passado compartilhado, e então seguem seu rumo, porque agora estão à frente desse passado, esse passado não volta, não pode ser recuperado e é preciso mirar no pode estar à frente. Esse ato final dos protagonistas não se aplica somente às suas próprias jornadas, mas também ao diálogo que o filme estabelece com o gênero musical. Uma síntese revisionista afetuosa e singela que não é simples de se fazer e rara de se presenciar. A última vez que um dos gêneros mais tradicionais e basilares do cinema hollywoodiano esteve tão competentemente posto em revista foi o western em Os Imperdoáveis (1992).

La La Land: Cantando Estações consegue ser tradicional sem ser tradicionalista, ser nostálgico e ainda assim se desapegar do passado, ser romântico sem ter tolo ou ingênuo. É uma carta de amor ao passado cheia de paixão, mas que consegue direcionar seus olhos para o que está à frente.


Nota: 10/10

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