sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Crítica – Robocop

Quando anunciaram que seria feito um remake do Robocop (1987), do holandês Paul Verhoeven, muita gente torceu o nariz, afinal, o filme e sua crítica ácida e cínica à banalização da violência e ao totalitarismo corporativo dialogam tanto com a sociedade atual quanto à do fim dos anos 80. Claro, as duas horrendas sequências que o filme teve ajudaram a dar a impressão de que o filme do Verhoeven era algo único e que não poderia ser reproduzido, os que dizem isso estão, de certa forma, corretos, já que o diretor tinha mesmo uma visão própria que dificilmente poderia ser reproduzida por outro realizador. O brasileiro José Padilha sabe disso e inteligentemente não tenta reproduzir aqui a visão do diretor holandês, mas apresentar seu próprio olhar sobre o personagem e o que seria relevante para ele nos dias de hoje.
A trama é praticamente a mesma do original. Alex Murphy (Joel Kinnaman) é um policial honesto em uma Detroit mergulhada no crime. Quando ele e seu parceiro Lewis (Michael K. Williams) se aproximam de um perigoso traficante, Murphy leva a pior. Diferente do original, Alex não morre aqui, mas fica gravemente ferido e a perigo de se tornar um vegetal para o resto da vida. A esposa de Murphy, Clara (Abbie Cornish), é então abordada pelo Dr. Norton (Gary Oldman) e executivos da multinacional Omnicorp para realizar um complexo procedimento que poderá salvar a vida do policial, praticamente transformando-o em uma máquina. Logicamente, os interesses da corporação e seu presidente (Michael Keaton) não são apenas salvar vidas, mas criar um protótipo de policial ciborgue para atrair a simpatia da população de modo a revogar a lei que proíbe o uso robôs em solo americano, apesar das forças armadas os usarem em outros países.

No futuro desenhado aqui por Padilha, os Estados Unidos seguem ainda mais forte com sua política intervencionista devido ao uso de máquinas ao invés de soldados, dominando populações de países ao redor do mundo sob o falso pretexto de garantir a ordem e a liberdade nesses locais, mas, como nos mostra a cena inicial do filme, a presença americana é muito mais opressora do que pacificadora, embora personalidades televisivas ultraconservadoras como Pat Novak (Samuel L. Jackson) tentem convencer todos do contrário. Assim como em seus dois Tropa de Elite, Padilha vai construindo um grande mosaico de atores sociais que funcionam para construir, legitimar e fazer funcionar um sistema que se importa apenas com seus próprios ganhos.
No entanto, Robocop não é apenas uma peça de crítica política, mas, assim como no original, também explora as relações entre o que separa o homem da máquina, conforme a Omnicorp expande seu controle sobre a mente e corpo de Murphy que precisa lutar para retomar sua consciência. O filme, no entanto, não foca apenas no drama, dando espaço para algumas sequências de ação bem construídas que, embora não ofereçam nada de muito novo ou surpreendente, conseguem empolgar e criar tensão.
O primeiro terço do filme, porém, se apresenta mais arrastado e moroso que o restante do longa investindo tempo demais no processo de transformação de Murphy em Robocop, tentando construir suspense e dúvida se a mente do policial será ou não controlada por sua programação, algo que todos sabem que acontecerá, caso contrário não haveria qualquer tipo de conflito para o personagem. Além disso gasta muito fôlego em diálogos excessivamente didáticos e expositivos entre Norton e os executivos da Omnicorp sobre as implicações dos experimentos, sendo que o próprio desenvolvimento do filme irá nos mostrar essas consequências, soando desnecessário e redundante falar tanto sobre isso quando será exatamente aquilo que veremos se desenrolar na nossa frente. Felizmente o desenvolvimento da trama é muito mais dinâmico e eficiente, sendo difícil não torcer pelo personagem ou se empolgar quando ele confronta aqueles que o destruíram.
Outro problema relativo a esse maior destaque ao lado humano e à família de Alex é o trabalho da atriz Abbie Cornish que em uma composição demasiadamente rígida acaba parecendo mais robótica que o protagonista do filme, falhando em evocar o peso dramático e o desgaste emocional que a transformação de Murphy causa em sua família. Igualmente problemático é o trabalho de Samuel L Jackson como o âncora Novak, apresentando-se muito mais contido do que estes tipos televisivos reacionários e sensacionalistas normalmente agem e somente na irônica cena que encerra o filme é que o ator encontra o tom certo para o personagem. É também uma pena que Lewis, tenha tão pouco espaço aqui e acaba sendo um personagem unidimensional e sem carisma.
O design de produção acaba se revelando outro problema do filme, já que falha em nos transmitir a sensação de que a Detroit aqui retratada é uma megalópole decadente, tomada pelo crime de uma maneira tão desesperadora que as pessoas aceitariam qualquer meio necessário, por mais violento e desumano, para reverter a situação. A Detroit do filme não é nada disso, pelo contrário, parece um ótimo lugar para se viver. A cidade é limpa, iluminada, tudo tem cara de novo e bem conservado e mesmo a delegacia de polícia é um local bem organizado e tranquilo ao invés de ser cheio de policiais entrando e saindo e dezenas de criminosos amontoados por todos os cantos. Se lembrarmos do original vemos Detroit como uma cidade escura, cheia de lixo, com criminosos em cada esquina e uma delegacia que era um pardieiro totalmente caótico, lamentavelmente nenhuma dessas sensações de caos urbano está presente neste remake.
Mais sucesso tem o veterano Gary Oldman que nos mostra Norton como um homem dividido entre o potencial benigno de suas pesquisas e seu senso de responsabilidade ao ver que seus empregadores a usam para fins tão nefastos, um dilema que irá crescendo conforme as tensões e conflitos se agravam, obrigando o personagem a se posicionar e transformando-o no coração e consciência do filme. Igualmente bem sucedido é o trabalho de Michael Keaton que transforma o presidente da Omnicorp em uma espécie de Steve Jobs do mal, tentando sempre dar uma aura afetiva e emocional aos seus produtos de modo a ludibriar o público a não perceber que, no fim das contas, são apenas produtos.
No fim das contas, este novo Robocop pode não ter o cinismo, a ironia e o impacto do original, mas é um filme de ação competente que consegue ainda fazer contundentes críticas ao famoso (ou infame) “estilo americano”.
Nota: 6/10

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