quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Crítica – Fruitvale Station: A Última Parada

Análise Fruitvale Station A Última Parada


Review Fruitvale Station A Última ParadaDifícil não olhar para a história de Oscar Grant (Michael B. Jordan) e não pensar no caso do pedreiro Amarildo que tomou conta dos noticiários no ano passado. Difícil também é pensar em quantos mais casos como os de Oscar ou Amarildo acontecem sem que saibamos, sem que haja justiça, completamente esquecidos e obliterados pelo tacanho véu do anonimato.

A trama mostra o caso real de Oscar Grant, residente da Bay Area de São Francisco que foi pego pela polícia na noite de ano novo devido a uma briga no metrô e mesmo estando algemado e dominado foi baleado por um dos policiais na frente de todas as pessoas que estavam na estação.

O primeiro grande mérito do filme é o de não transformar Oscar em alguma espécie de mártir, colocando-o como uma mera vítima das circunstâncias. Ao invés disso, reconhece que o protagonista é um ser humano como qualquer outro, cheio de defeitos e qualidades sendo capaz tanto de ajudar uma completa desconhecida, como faz com a garota no supermercado, como também ameaça sem reservas ou pudores seu antigo empregador.

Seu último dia de vida é registrado de uma forma quase que documental, com a câmera sempre se colocando atrás de Oscar, como se não soubesse para onde irá ou que fará, tendo como única opção segui-lo, apostando em enquadramentos fechados que nos aproximam do personagem e de sua família e ajudam a perceber a união que existe entre eles, colocando esse afeto como uma motivação concreta e plausível da busca do personagem em se afastar de seu passado de crime.

Já que mencionei a família, é preciso destacar o trabalho de Octavia Spencer como Wanda, mãe do protagonista, que consegue equilibrar com competência o afeto que sente pelo filho, com a rigidez que o trata ao temer que volte ao crime e que algo ruim lhe aconteça. Isso se torna bastante claro no flashback em que ela o visita na prisão e mesmo com sua expressão impassível e discurso ríspido, percebemos o quanto lhe dói dizer tudo aquilo ao filho e magoá-lo daquela forma, mas que ela o faz por achar necessário para a melhora de Oscar.

Essa sensação de movimento constante construído pelo trabalho de câmera contribui para a atmosfera de tensão e inquietude já estabelecida nos minutos iniciais quando o filme nos mostra um dos vídeos amadores que registrou o momento em que Oscar é baleado. O cotidiano do personagem também revela como a discriminação está presente mesmo em pequenas coisas, como na dificuldade em encontrar cartões de aniversário que não mostrem somente famílias brancas.

A escolha de evitar maniqueísmos simplórios que poderiam facilmente transformar o filme em uma demagogia barata (como aconteceu no execrável Última Parada 174) também é estendida ao tratamento dado aos policiais, em especial na figura do oficial Caruso (Kevin Durand), que inicialmente trata Oscar e seus amigos com brutalidade e truculência, agredindo-os física e verbalmente (incluindo ofensas raciais), mas que rapidamente tenta agir para desfazer o erro estúpido do companheiro, tentando ajudar e confortar Oscar enquanto os paramédicos chegam. Se o diretor e roteirista Ryan Coogler estivesse interessado em fazer um filme “de tese” ou “de denúncia” seria muito conveniente para ele transformar o policial em um monstro fascista sem sentimentos, mas não é esse seu foco.

Fruitvale Station: A Última Parada não é uma denúncia de abuso de poder ou de brutalidade policial, é um exercício de alteridade. Sua preocupação é em diminuir as distâncias que nos separam do “outro”, sendo ele negro, branco, policial ou vítima, para que possamos vê-lo como um ser humano cheio de qualidades e defeitos, certezas e contradições e que, como qualquer um de nós, também tem sonhos, desejos, amigos, familiares e uma série de pessoas que se importam com eles e que se importam com seu bem estar. Afinal é justamente as distâncias que permitem que vejamos alguém como “outro” e ao fazer isso reduzimos outros seres humanos tão complexos como nós a generalizações, estereótipos, números e estatísticas e pensar assim implica em pensar no “outro” não enquanto um ser humano, uma pessoa, mas como uma coisa, um objeto, algo com que eu não devo me importar e, talvez, nem deva dar valor. O grande mérito do filme é justamente esse esforço em eliminar as muralhas que nos separam daquele outro que segue invisível do nosso olhar e da nossa consideração.

Assim sendo, temos a clara noção de que Oscar Grant não é nenhum coitado, que teve um passado criminoso e que ele e sua família pagaram por isso, pode não ser a melhor das pessoas, mas de modo algum merecia ser morto como foi, algemado e dominado por dois policiais Oscar estava completamente contido, não posava ameaça e apesar de assumir uma postura defensiva e contestadora perante aos abusos dos oficiais, não agiu com violência. Encerrar uma vida de modo tão displicente e desmedido é fruto justamente da falta da alteridade, do distanciamento do outro e da miopia em vê-lo como um indivíduo igual a mim ou os que me cercam.

Oscar Grant era alguém como qualquer outro, como Amarildo, mas que as barreiras do distanciamento e do preconceito ajudaram a sedimentar falsa noção de que são menos dignos ou que devemos vê-los apenas como mais um número nas estatísticas, mas são como qualquer um de nós, são eu ou você, e assim como achamos que não merecíamos ser tratados ou mortos de forma tão gratuita e estúpida, tampouco mereciam eles.


Nota: 8/10

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