terça-feira, 25 de agosto de 2015

Crítica - Corrente do Mal


Resenha Crítica - Corrente do Mal

Review Corrente do Mal
Depois de várias semanas com péssimos filmes de terror como A Forca ou Exorcistas do Vaticano invadindo os cinemas brasileiros, enfim um bom exemplar do gênero chega às nossas telas (ainda que atrasado) na forma deste bacana Corrente do Mal.

A trama acompanha a adolescente Jay (Maika Monroe), que recentemente começou a namorar com bonitão local Hugh (Jake Weary). Quando eles finalmente fazem sexo no banco de trás do carro, Jay é inesperadamente nocauteada com clorofórmio e acorda amarrada a uma cadeira de rodas dentro de um prédio decrépito. Hugh então explica a situação (e a trama) para ela: aparentemente alguém "passou" uma maldição para ele e essa maldição consiste em ser seguido o tempo todo por uma aparição que constantemente muda de forma e, apesar de lenta, nunca para de te seguir até seu alvo estar morto. O único modo de continuar vivo é "passar adiante" a maldição através, claro, do sexo, e torcer para o próximo amaldiçoado se manter vivo, caso contrário o espectro passará a seguir o "infectado anterior".

A associação entre sexo e morte em filmes de terror é pra lá de batida, nos Sexta Feira 13 e A Hora do Pesadelo fazer sexo normalmente era seguido de morte e Pânico (1996) explicitou a regra que quem transar em um filme de terror irá invariavelmente morrer. No entanto, o filme não se resume a uma espécie de "pega-pega" sexual com os personagens transando incessantemente para se livrar do seu irrefreável perseguidor, tampouco a trama é reduzida a uma mera alegoria à AIDS, DSTs ou qualquer coisa assim. Certamente seria o caso se o material estivesse nas mãos de algum executivo de estúdio, mas na condução de David Robert Mitchell, o texto nunca é reduzido a uma catequese conservadora. Cada um de seus personagens vê e usa o sexo de uma maneira diferente e tem seus próprios conflitos envolvendo a questão.

O terror aqui não é feito a partir de câmeras tremidas e sustos súbitos gratuitos, mas de uma cuidadosa construção de uma atmosfera de incerteza, tensão e medo. A construção já começa na primeira cena quando um plano aberto nos mostra uma garota correndo em círculos por uma vizinhança cinzenta, ela está desesperada, claramente fugindo de algo, mas não há ninguém ali. O plano segue, quase sem cortes até que a garota entre em um carro e dirija rapidamente, um corte súbito e vemos seu corpo despedaçado em uma praia. O que aconteceu? Do que a garota estava fugindo? Que pessoa ou criatura seria capaz de fazer aquilo? Com apenas poucos minutos o filme já nos deixa em alerta, temendo uma ameaça desconhecida. Aos poucos o filme vai estabelecendo as "regras do jogo", como o fato de que apenas os "infectados" podem ver a criatura, ao mesmo tempo não cai no erro de decifrar completamente o que é, afinal o desconhecido é sempre mais assustador.

Há uma tensão constante pendendo sobre Jay, pois sabemos que "a coisa" pode aparecer a qualquer momento e os planos abertos que o filme insiste em usar parecem nos convidar a um jogo doentio de "Onde Esta Wally?", na esperança de que sejamos capazes de identificar a ameaça vindo, já que assim como Jay estamos mergulhados nessa sensação de perigo constante e iminente. As paisagens de Detroit com todas as suas construções decrépitas parecem ainda mais assustadoras sob as lentes de Mitchell e a paleta de cores cinzentas e frias contribui para tornar tudo ainda mais macabro e desolador. Os visuais das diferentes formas da criatura também são igualmente macabros, dando a impressão de que ela usa as aparências de vítimas anteriores

Os personagens, apesar de básicos e unidimensionais, nos convencem de sua amizade pelo modo como se comunicam quase sem precisar falar, muitas vezes apenas com gestos ou olhares, dando a impressão de que estas pessoas se conhecem a um bom tempo. O filme acerta também na construção do cotidiano entediante do adolescente de classe média americano, no qual os adultos parecem estar sempre ausentes e todos os dias parecem uma repetição dos anteriores.

Perto do final, acaba derrapando um pouco justamente pelo fato da criatura apenas focar nos "infectados", tirando assim parte da incerteza e do suspense em não saber quem irá morrer ou viver. Também porque o embate climático dos jovens com "a coisa" parece incomodamente parecido com a cena da piscina de Deixa Ela Entrar (2008).

Ainda assim, Corrente do Mal é uma obra que consegue brincar com competência com as estruturas e temas tradicionais do terror, algo que vem ficando cada vez mais raro nos trabalhos do gênero, criando uma atmosfera verdadeiramente amedrontadora.

Nota: 8/10

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