quarta-feira, 29 de julho de 2015

Crítica - Jogada de Mestre



Baseado no sequestro real de Alfred Heineken, criador da cerveja de mesmo nome, que aconteceu em Amsterdã em 1983 e resultou no maior resgate pago até então, este Jogada de Mestre certamente tinha elementos que poderiam torná-lo interessante. No entanto, passa longe de uma história de crime verdadeiro tão boa quanto o excelente Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo ou mesmo minimante apreciável quanto o curioso Sem Dor, Sem Ganho (2013), na verdade é um suspense completamente incompetente e desprovido de qualquer tensão.

Acompanhamos um grupo de amigos sem dinheiro, Cor (Jim Sturgess), Willem (Sam Worthington), Cat (Ryan Kwanten), Brakes (Thomas Cocquerel) e Spikes (Mark VanEuwen) que resolvem sequestrar o magnata Alfred Heineken (Anthony Hopkins) e pedir um resgate de 35 milhões, na esperança de que o dinheiro resolva as suas vidas.

Os problemas já emergem nos primeiros minutos do filme quando ele falha em estabelecer a situação dos seus personagens. Somos informados que eles estão sem dinheiro e tentam conseguir um empréstimo para montarem um negócio juntos, que a namorada de um deles está grávida, mas não há nenhuma razão mais urgente como uma notificação de despejo ou uma hipoteca prestes a vencer, nada realmente desesperador que de fato os motive a recorrer ao crime. Se não conseguimos compreender claramente o que motiva esses indivíduos, não temos porque acompanhá-los.

Isso se torna mais grave nas cenas seguintes quando eles roubam a remessa de dinheiro de um banco e sem pensar duas vezes iniciam um tiroteio pelas ruas da cidade, passando de cidadãos de classe média que recorrem ao crime por revolta contra o "sistema" a sociopatas violentos sem qualquer consideração. Essa impressão é reforçada em uma cena seguinte, na qual um deles diz que quer usar o dinheiro para comprar uma Ferrari, deixando claro que não estamos diante de pessoas com problemas financeiros graves, mas apenas indivíduos gananciosos. Tudo isso combinado com o fato de que o filme sequer se esforça em dar qualquer fiapo de personalidade a qualquer um desses sujeitos e com exceção da aparência física, não consigo lembrar de nada que me faça vê-los como pessoas ao invés de um bando de criminosos genéricos.

Se não temos motivos para aderir aos criminosos, também não temos para aderir à vítima, já que Hopkins trabalha no piloto automático como Heineken e, estranhamente, faz parecer que o bilionário está se divertindo com tudo aquilo, provavelmente porque ele próprio devia estar contente por estar recebendo um alto cachê apenas para vestir um pijama e parecer entediado. Ainda assim, Hopkins é melhor e mais interessante do que todo o restante do elenco combinado

Entediante é também a direção, que opta por filmar tudo ao estilo "câmera na mão", com a câmera trepidando até mesmo em cenas que não há nenhum movimento, o que acaba nos distraindo, ao invés de nos deixar imersos no filme ou de transmitir a sensação de "realismo documental" que normalmente se pretende quando se filme assim. Além disso, a montagem exagerada somada à tremedeira incessante da câmera transforma as cenas de ação em uma bagunça aborrecida que sequer consegue deixar clara a lógica espacial de uma briga que ocorre em um apertado corredor de apartamentos. O único momento que realmente funciona e sentimos um mínimo de apreensão é quando eles dirigem em alta velocidade na contramão, mas é algo mínimo frente aos mais de noventa minutos de puro equívoco.

Ainda assim, este não é o principal problema do filme, mas sua quase que completa e irrestrita inabilidade em criar qualquer tensão ou incerteza, a pedra fundamental de qualquer suspense. O diretor Daniel Alfredson ou tenta inserir suspense em cenas no qual não há nenhum ou joga a esmo eventos climáticos na tela, sem qualquer preparação ou construção desses, fazendo-os soar gratuitos.

Um exemplo disso é a cena em que um dos personagens vai comprar comida e o atendente nota que ele pediu molho picante ao invés do agridoce que sempre pede e nesse momento a câmera dá um close em policiais que acabaram de entrar, enquanto sobe um música carregada de tensão, porém, o que há de tenso ou perigoso nessa cena? Não há a menor possibilidade de que os policiais façam qualquer ligação entre a mudança de hábito do personagem. Tampouco há qualquer indício de um olhar subjetivo sobre a cena, como se estivesse tentando nos mostrar não como as coisas aconteceram, mas como o personagem viu, já que, como já disse, todo o registro do filme segue uma estética que tenta se aproximar de um documentário ou reportagem.

O mesmo problema acontece nas cenas em que o personagem de Sam Worthington julga está sendo observado por policiais, mas o filme não nos dá nenhum indício que justifique a paranoia do personagem. Era algo simples de fazer, bastava colocar alguns figurantes olhando-os rigidamente, ou encarando-os enquanto falam no celular, mas não há nada. A efeito de comparação, observem como os irmãos Coen constroem as cenas envolvendo o personagem de George Clooney em Queime Depois Ler (2008), tudo bem que nesse exemplo nós sabemos com certeza que ele não está sendo observado, mas pelo modo como as cenas são construídas entendemos porque ele acha que está.

Quanto aos momentos climáticos, eles são jogados a esmo em nossa direção, sem a devida preparação ou antecipação. Isso acontece, por exemplo, quando o primeiro deles é preso, no qual ele é cercado por policiais que surgem literalmente do nada. Assim sendo, ao invés de ficarmos surpresos ou apreensivos com a prisão, apenas erguemos os ombros e dizemos "então tá". O filme tenta justificar isso no letreiro final que diz que ele foi preso por uma denúncia anônima, mas seria mais carregado de suspense e tensão se víssemos a polícia recebendo a tal denúncia e se preparando para ir atrás dele. Assim haveria a tensão por conhecermos uma ameaça que o personagem desconhece, portanto poderíamos antecipadamente temer por seu destino pela incerteza se ele conseguiria ou não escapar.

Algo semelhante acontece quando outros três personagens brigam dentro de um carro e posteriormente se separam, sem que houvesse qualquer construção de tensão ou disputa para que a briga irrompesse. Pelo contrário, tudo está a favor dos personagens naquele momento, eles estão com o dinheiro que queriam, prestes a desaparecer e escaparem ilesos e ainda assim, dois deles começam a brigar de maneira tão séria que resolvem se separar simplesmente porque um deles zombou sua alergia, nos deixando com a sensação de que o conflito não foi merecido ou bem estabelecido. Só quando os membros remanescentes descobrem a prisão dos outros e tentar pensar no que fazer é que há uma mínima atmosfera de perigo e incerteza, mas nesse ponto já estamos nos últimos minutos do filme, então é tarde demais para que nos importemos com algo e apenas torcemos para que tudo termine de uma vez.

Não há, portanto, muito a dizer sobre este sonolento Jogada de Mestre a não ser que ele não consegue cumprir nada do que promete, parecendo mais uma daquelas reconstituições de programas policialescos do tipo Linha Direta ou Aqui e Agora do que um filme propriamente dito.

Nota: 2/10

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