quarta-feira, 29 de abril de 2015

Crítica - Para o Que Der e Vier

Análise Crítica - Para o Que Der e Vier

Review - Para o Que Der e Vier
Quando saí da sala de cinema depois de ver o vergonhoso O Destino de Júpiter (2015), achei que dificilmente veria algum outro filme tão ruim quanto este nos cinemas ainda em 2015. Para o meu azar eu estava enganado, já que este Para o Que Der e Vier  é ainda mais terrível com sua narrativa sem foco, personagens detestáveis e uma conivência com atitudes e discursos anacrônicos e inaceitáveis nos dias de hoje.

A narrativa acompanha os amigos de infância Ben (Zach Galifianakis) e Steve (Owen Wilson), dois homens imaturos com claros problemas em lidar com a vida adulta. Quando o pai de Ben morre, os dois precisam ir ao interior para o funeral. No retorno à cidade natal precisam lidar com a controladora irmã de Ben, Terry (Amy Poehler), bem como a sua jovem e hippie madrasta Angela (Laura Ramsay).

Galifianakis repete aqui o mesmo tipo crianção imaturo que fez em filmes como a trilogia Se Beber, Não Case ou Um Parto de Viagem (2010). Se você viu alguns desses filmes certamente já está mais do que acostumado com sua histeria infantilizada e provavelmente irá revirar os olhos a cada tentativa sua de soar engraçado que basicamente consiste em correr, gritar, falar coisas sem sentido e ficar nu. Algumas inclusive são mais ofensivas do que engraçadas como o momento em que ele diz para madrasta que ela deveria virar professora de "coisas de mulher como cozinhar e arrumar a casa", uma ideia antiquada, machista e pouco engraçada. O personagem até tenta tomar jeito depois que sua loucura obviamente sai do controle e ele é obrigado a se medicar, mas a transformação acontece rápido demais e é pouco explorada já que o filme muda seu foco para o personagem de Owen Wilson que consegue ser ainda menos interessante.

Se Ben pode ter sua conduta relevada por causa de seus problemas mentais, o mesmo não pode ser dito de Steve, um sujeito superficial, imaturo, mulherengo e machista que trata as mulheres ao seu redor como se elas fossem obrigadas a se render ao seu charme, além de exibir uma conduta abusiva em alguns momentos. Se suas tentativas em ver a vizinha trocando de roupa soam inicialmente como um vouyerismo inofensivo, elas passam a beirar um comportamento de stalker quando ele pede que uma árvore seja cortada apenas que ele possa vê-la sem roupas. O comportamento ainda é repetido quando observa Angela, a madrasta do melhor amigo e uma alguém que acabou de conhecer, tomando banho por uma fresta na porta e ainda por cima não exibe qualquer vergonha ao ser descoberto. O fato de Angela não reclamar da intrusão não torna a atitude menos desrespeitosa.

Aliás, seu comportamento em relação à recém-viúva não deixa de ser incômodo por um momento sequer. Steve irá insistir em flertar com ela mesmo quando ela deixa claro que não quer nada com ele, como se Angela não tivesse escolha senão ceder aos seus avanços. Além disso irá se comportar de modo possessivo e até violento em relação a ela, como fica claro na cena em que ele arremessa uma mesa ao descobrir que Angela e Ben tiveram um breve envolvimento. Isso já seria uma atitude grave se Steve e Angela tivessem qualquer relação, mas se torna absolutamente inaceitável se lembrarmos que o máximo que os dois compartilharam foi um beijo.

A "redenção" do personagem é ainda mais gratuita e forçada que a de Ben, já que basta Steve olhar para o toco da árvore cortada parece magicamente reverter todos os seus desvios de caráter (não consigo ver outra forma de qualificar senão essa). E o fato da vizinha, agora sem a cobertura da árvore, aparentar satisfação ao ser ver observada por um estranho apenas retifica que o filme parece tratar as mulheres como criaturas subservientes que devem se considerar felizes com a objetificante atenção masculina que recebem. O pior de tudo é constatar que apesar de tudo Steve consegue, de fato, terminar com Angela, algo que eu descreveria apenas como "Adam Sandleresco", visto que nos filmes do parvo comediante ele também interpretar sujeitos imaturos e misóginos que, de modo inexplicável, conseguem encantar a mocinha com suas atitudes inapropriadas. Mover os personagens rumo a essa relação parece mandar uma perigosa e repreensível mensagem de conformismo e naturalização deste tipo de comportamento, já que Steve não possui nenhuma característica que o redima e assim o filme premia a misoginia do personagem ao invés de repreendê-la.

Sim, Steve de fato ajudou Ben durante muitos anos, mas como ele era a única pessoa com quem se relacionava, não consigo deixar de pensar que ele fazia isso muito mais para se manter em sua zona de conforto de imaturidade e irresponsabilidade do que por pura bondade e altruísmo, principalmente quando lembramos que ele sequer moveu um dedo para conseguir um advogado ou defensor público para o amigo quando sua herança foi contestada pela irmã, quase como se realmente quisesse que Ben continuasse a ser rotulado como um porra-louca fracassado apenas para alimentar a própria auto-estima.

A irmã, Terry, aliás, é tratada apenas como uma megera castradora e gananciosa, mesmo ela tendo certa razão em questionar a habilidade do irmão em gerir seu patrimônio . O filme tenta lhe dar alguma profundidade ao mostrar que ela tem certo ressentimento de Ben por ele receber mais atenção do pai ou a amargura por não ter filhos, mas todos esses problemas são abordados rapidamente e logo depois esquecidos pelo filme. Do mesmo modo, as tensões entre Terry e Ben são resolvidas de modo automático, quase que por exigência do roteiro do que pelo desenvolvimento natural dos personagens, sendo uma pena ver a ótima Amy Poehler desperdiçada em um papel tão ruim.

Assim sendo, ela fica boa parte do tempo apenas como megera e como Terry e Angela são as duas únicas personagens femininas a ter alguma importância na trama, poderia dizer no filme as mulheres são reduzidas por um lado como empregadas/objeto sexual e por outro como megeras devoradoras de homens o que reforça novamente o olhar repreensível do filme sobre as mulheres. A sensação que eu tenho é que o diretor e roteirista Matthew Weiner, criador da série Mad Men, passou tanto tempo escrevendo sobre os anos 50, quando esse tipo de olhar era natural, aceitável e até encorajado, que esqueceu que nos dias de hoje essas representações são anacrônicas, machistas e inadmissíveis.

Mesmo ignorando tudo isso o que resta é uma comédia dramática que nunca é realmente engraçada e nunca se aprofunda nos dramas de seus dois personagens, que passam boa parte do tempo chapados e se lamentando. O ritmo é arrastado e demora a desenvolver seus previsíveis conflitos e quanto o faz, tudo é resolvido rapidamente e muitas vezes de modo gratuito. Além disso é repleto de diálogos expositivos e regurgitados de modo exageradamente impostado sobre autoconhecimento, família e amizade que parecem saídos de um livro ruim de auto-ajuda e martelam de modo forçado e repetitivo as ideias do filme. O filme almeja tratar de todos esses temas, mas ao mesmo tempo não constrói nenhum deles de modo satisfatório, soando vazio, disperso e sem foco.

Incomoda também a descarada publicidade de uma determinada franquia de restaurantes de temática australiana. Como falei em meu texto sobre Ponte Aérea, entendo que esse tipo de coisa faz parte do cinema e da realização de filmes (e essa intervenção deve ter pago boa parte deste), mas isso é algo que precisa ser trabalhado com cuidado e sutileza. No entanto, a obra não se contenta em desnecessariamente mostrar a fachada do restaurante, como também obriga os personagens a descreverem seus pratos e quanto eles são deliciosos, praticamente parando um filme para um intervalo comercial pouco orgânico e que quebra a imersão, deixando a expectativa de que ao final da cena um dos atores olharia diretamente para a câmera e diria o nome do restaurante em voz alta, seguido de uma piscada para a câmera.

Assim sendo, tudo que resta em Para o Que Der e Vier é uma obra superficial, sem graça e sem ritmo, cujas faltas são agravadas por um retrógrado viés machista. Chega a ser impressionante como um filme que reúne artistas tão talentosos consegue ser tão equivocado, sendo esta provavelmente a coisa (me recuso a chamar de filme) mais desprezível que vi nos cinemas este ano.


Nota: 1/10

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