sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Crítica - Whiplash: Em Busca da Perfeição

Análise  Whiplash: Em Busca da Perfeição

Review  Whiplash: Em Busca da PerfeiçãoMais do que um filme sobre virtuosismo artístico ou busca pelo sucesso, este Whiplash: Em Busca da Perfeição traz um debate sobre que tipo de formação nossa sociedade está oferecendo e qual é o verdadeiro preço da excelência.

A trama gira em torno de Andrew (Miles Teller), um jovem baterista que entra para um prestigioso conservatório em Nova Iorque em uma obstinada busca por ser um excelente músico. Para isso, se aproxima daquele que considera o melhor do local, o veterano maestro Terence Fletcher (J. K. Simmons), cujo método de ensino consiste de uma constante guerra psicológica. Suas ações são brutais e incansáveis, passando de qualquer limite do que é são ou aceitável, mas possivelmente também os leva para além de suas limitações.

O filme nos apresenta uma aterradora relação professor/aluno que poderia ser facilmente descrita como "Nascido Para Matar no conservatório". A técnica de Fletcher é implácavel colocando os músicos em constantes disputas entre si enquanto o professor exige mais e mais de suas performances, ofendendo-os, agredindo-os até que tenham literalmente derramado sangue, suor e lágrimas sobre suas baterias e, ainda assim, Fletcher quer mais.

No entanto, a obra e o trabalho do ator J. K. Simmons são inteligentes o bastante para evitar que Fletcher se transforme numa mera caricatura do professor carrasco, mostrando que ele faz o que faz porque realmente vê o potencial em seus alunos e tenta ajudá-los (em seu modo equivocado) a alcançar o ápice de sua habilidade. Isso logicamente não torna muitas de suas ações menos condenáveis e sua figura parece ainda mais monstruosa se colocada em oposição ao carinhoso, mas intelectualmente medíocre, pai de Andrew. Ainda percebemos uma preocupação genuína com sua arte e até com seus pupilos, algo claro na cena em que ele lamenta a morte de um ex-aluno. Além disso, toda a sua conduta durante o clímax deixa claro que ele está mais interessando em formar excelentes músicos do que apenas torturar os alunos, já que inicialmente ele queria sabotar Andrew, mas passa a apoiá-lo ao perceber a qualidade de sua performance. O trabalho de Simmons resulta em uma figura complexa e difícil de decifrar que desafia o público a compreender suas motivações.

Ao mesmo tempo, Andrew também não é uma vítima passiva e inocente dos tormentos de seu professor. O filme estabelece claramente a natureza obstinada e até mesmo obsessiva do personagem em melhorar sua técnica, bem como sua concordância com o modo de pensar de Fletcher e isso torna-se evidente em dois momentos do filme. O primeiro deles é na cena em que Andrew termina com a namorada demonstrando um pragmatismo e frieza tão grandes que sequer percebe a dureza e crueldade de suas palavras. O outro é em um jantar de família no qual ele diz que prefere morrer cedo e ser eternamente lembrado como gênio da música do que viver uma vida inteira na mediocridade.

Nesse sentido é impossível não dar crédito ao trabalho impecável de Miles Teller em evocar a obstinação e energia do personagem de um modo tão intenso que fica claro que aquilo o prejudica tanto quanto ajuda, embora a história da arte nos revele que muitos grandes artistas foram movidos mais por seus demônios do que por suas virtudes.

A cena em questão também ilustra um dos principais pontos do filme que é o debate entre pedagógico entre incentivo e cobrança e até que ponto estes são benéficos ou danosos. Na cena, vemos a família desdenhar os esforços de Andrew (que nós, o público, sabemos ser imenso) enquanto celebra feitos banais dos outros dois filhos como o recorde em futebol estudantil de um e a participação do outro na "ONU simulada do colégio".

Nesse momento claramente percebemos que os dois garotos estão acomodados com seus feitos e provavelmente não sairão de suas zonas de conforto, enquanto que as provações de Andrew o fazem querer se superar cada vez mais, apesar de também passar dos limites do que é sadio. Assim sendo, percebemos os problemas que se colocam a cada uma das perspectivas.

A questão que o filme levanta não é se alguém deve ou não sofrer por sua arte ou pela excelência e sim até que nível (e até quando é aceitável) esse sofrimento deve ser levado para que se atinja ápice. Nesse sentido o filme nos traz uma contundente reflexão acerca do culto à mediocridade que vem se estabelecendo nos últimos anos, celebrando qualquer conquista por mais banal que seja, como passar de ano escola. Dizemos parabéns, celebramos e até fazemos cerimônias de formatura quando um garoto para da quarta para a quinta série como se disséssemos "bom trabalho, você compareceu às aulas e demonstrou uma mínima apreensão do que lhe foi exposto e isso merece uma festa".

Claro, a filosofia educacional que reside por trás da ideia de que todos merecem reconhecimento pelo que fazem é claramente bem intencionada e certamente tem seus méritos, não sou tolo de negar isso. No entanto, também tem suas distorções e limitações e podemos perceber que muitas vezes formam pessoas demasiadamente autocentradas, incapazes de lidar com críticas e oposições, sendo, portanto, despreparados para enfrentar um mundo que não irá premiá-los apenas por aparecer ou por fazer o mínimo que se espera deles.

Ao fazer isso, as pessoas comumente se acostumam a sua zona de conforto e raramente se esforçam para ir além. Assim sendo, fica difícil não simpatizar com certas ideias transmitidas pelo personagem de Simmons, como a de que apenas através da dificuldade e da experimentação do fracasso é que somos capazes de transpor nossos limites e nos tornarmos ainda melhores naquilo que fazemos. No entanto, um fracasso ou uma humilhação é diferente de ser humilhado e agredido constantemente como ocorre com seus pupilos, tornando difícil concordar com sua maneira de cobrar, já que ela ultrapassa qualquer limite ético, físico ou psicológico, também não se pode negar a possibilidade de que seu trabalho possa também reprimir a capacidade de um talento promissor (apesar do personagem dizer o contrário). Deste modo, percebemos que esta também é uma abordagem com falhas e limitações.

Nesse sentido, o filme é bastante inteligente em não oferecer respostas definitivas para a questão, já que, como tentei expor, tudo é bastante complexo e cinzento. Ao invés disso a conclusão da obra convida o publico à reflexão, lhes deixando muitas perguntas. Será que o momento de pura genialidade de Andrew realmente se deve ao fato de que uma pessoa deve se despir de tudo que não sua vontade desesperada em ser o melhor para conseguir alcançar a excelência? Ou ele apenas faz tudo isso por um desejo doentio de obter a aprovação de seu cruel professor? Seu sacrifício valeu a pena? Essas e outras questões não se apagam da nossa mente depois que as luzes de acendem e certamente irão reverberar conosco por um bom tempo.

Os méritos do filme, no entanto, não residem apenas em sua retórica discursiva. A direção de Damien Chazelle é incrivelmente competente em captar o ritmo e a energia das performances de jazz, em especial num momento em que sua câmera acompanha as baquetas de Andrew em seu passeio pela bateria ou nos planos-detalhe das mesmas em que elas quase desaparecem devido ao ritmo frenético do músico. Também acerta no modo como nos mostra como é doloroso e difícil para o baterista tentar alcançar o ritmo imposto pelo seu professor e assim temos uma noção clara do sacrifício e do sofrimento pelo qual o personagem passa. Nesse sentido a montagem é precisa em realizar a passagem entre o ator e os dublês e em colar momentos que provavelmente não foram gravados de uma só vez, nos fazendo realmente acreditar no virtuosismo do personagem.

Assim sendo, Whiplash: Em Busca da Perfeição vai além de ser um excelente estudo de personagem no qual vemos o preço da grandeza artística sobre aquele que a faz, mas também é um ótimo convite a uma reflexão pedagógica sobre que tipo de pessoa nossa sociedade forma e como elas são formadas.


Nota: 10/10

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