quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Crítica - Livre


Algumas vezes precisamos de um tempo só nosso. Precisamos nos afastar daquilo que nos cerca e enfrentar a nós mesmos, nossas angústias, nossos demônios. Algumas coisas ninguém pode nos ajudar a definir e precisamos resolver por conta própria. É justamente sobre esse tipo de jornada de autoconhecimento que trata este Livre, dirigido por Jean-Marc Valée (Clube de Compras Dallas).

A narrativa acompanha a história real de Cheryl (Reese Witherspoon), americana que decidiu percorrer sozinha a Pacific Coast Trail (PCT), uma trilha que atravessa os Estados Unidos de norte a sul. A viagem é motivada por uma série de problemas pessoais e em sua caminhada, precisará refletir sobre seus problemas e superar as dificuldades que a natureza selvagem lhe impõe.

Como está sozinha durante boa parte do filme, é o trabalho de Whiterspoon que carrega o filme, trazendo esta que é sua melhor performance desde Johnny e June (2005). Sua Cheryl é uma mulher perdida, consumida por erros e arrependimentos do passado que impõe a caminhada a si mesma como uma espécie de penitência e a atriz convoca muito bem o sentimento de perdição, dor, raiva e solidão que acometem a personagem. Ao seu lado, temos uma participação pequena, mas significativa de Laura Dern como a mãe de Cheryl, com uma personalidade sempre otimista e expansiva, é fácil entender sua importância na vida da protagonista e porque sua ausência é tão sentida por ela, ao ponto de levá-la à autodestruição.

A narrativa se desenvolve contrapondo a caminhada de Cheryl com flashbacks que mostram sua vida pregressa com os problemas e eventos presentes levando a uma lembrança daquilo que aconteceu, às vezes basta apenas um objeto ou canção para ativar uma lembrança da protagonista, dando a sensação de que estamos acompanhando seu fluxo de pensamento. No entanto, o modo como encontros que vão fazendo Cheryl lembrar de seu passado de modo praticamente linear faz todos esses eventos aparentemente fortuitos parecerem convenientes demais.

A direção de Valée nos mostra uma natureza imponente que é ao mesmo tempo bela e perigosa. Seus planos amplos revelam o quão Cheryl é pequena em relação ao mundo a sua volta. As paisagens convocam a reflexão da personagem e também a nossa. Em seu confronto com a natureza, coisas que normalmente tomamos por mundanas revelam-se grandes obstáculos, como a incapacidade de fazer fogo ou a ausência de um calçado e vemos a protagonista crescer e se tornar mais dona de si a cada uma de suas pequenas vitórias.

Tudo bem, filmes como Náufrago (2000) ou Na Natureza Selvagem (2007) já nos mostraram este tipo de coisa, mas a relação do ser humano com a natureza é há tempos explorado pela arte e é sempre fonte de fascínio e questionamentos. Histórias assim serão sempre contadas, pois sempre nos indagamos sobre nosso lugar no mundo e também pela atração que exerce saber que alguém conseguiu superar a natureza bravia.

Apesar do encerramento abrupto que fecha a história de maneira expositiva, mastigando rapidamente o que se passou com a personagem após sua caminhada, Livre é uma interessante jornada de autodescoberta.


Nota: 8/10

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